PALESTRA : UM OLHAR DO CORAÇÀO

D'us te abençoe!








Esta foi a Palestra de abertura do Quinto Simpósio Internacional de Paisagismo realizado na Universidade Federal de Lavras, Mg.
Dona de uma personalidade carismática, emocionou-se e emocionou a todos que a ouviram, ao ser homenageada pela instituição/
Caros amigos e colegas de trabalho, leiam e desfrutem!!!

Por Dra SONIA M P WIEDMANN
PROCURADORA FEDERAL
AGU/PGF/IBAMA

Recentemente um depoimento mostrou-me que a história sempre nos é contada de uma única forma. Entretanto, é possível acompanhar a história humana por diversos prismas e, no livro “A História do Mundo em 6 Copos” o autor - Tom Standage lança um olhar na história, sob a perspectiva das bebidas, mostrando que, da pré-história à globalização, as sociedades elegeram diferentes bebidas e com elas influenciaram os rumos do desenvolvimento humano.
Nosso olhar percebe que por trás das bebidas, esconde-se a dependência dos recursos naturais e na verdade, são eles que ao longo dos tempos vêm provocando as maiores disputas e, sobretudo, mudando os hábitos da humanidade.
O livro relata que na antiga Mesopotâmia, hoje o Iraque, onde ironicamente é proibida bebida alcoólica, os povos nômades descobriram que a cevada, ali nativa nos campos, fermentava e se podia guardar, e inventaram assim a versão mais antiga da cerveja, deixando então o nomadismo para adotar a agricultura e se fixar no território pelo qual passaram a lutar e defender, agregando valor à cevada, controlando os estoques e desenvolvendo a escrita.
Séculos depois, as uvas do Mediterrâneo, deram à civilização greco-romana o vinho que norteou a política, a sociedade, o poder e as grandes conquistas da Grécia e do Império Romano.
Os destilados, alquimia que usava ervas como matéria prima, e os chás determinaram até a política externa das metrópoles européias com as colônias, causando embates desde o Continente Americano até a Ásia, onde a China comercializava as folhas, e a exploração do chá na Índia pelos ingleses fez destes paises reféns deste recurso extrativista e abundante a época.

Da mesma forma, os árabes ao descobrirem o valor do café ali nativo, trouxeram-no para a Europa onde passaram a representar a era da razão. Nos cafés públicos formavam-se novas idéias e o debate, formando uma ágil rede de informações.

Será que temos idéia do que a Coca Cola fez com o resto do mundo, a partir do seu incalculável sucesso vindo dos Estados Unidos? Encarna os valores da liberdade individual e progresso, ícone da globalização. Embora não saibamos a sua receita, conhecemos seus efeitos nada ecológicos na natureza e na saúde das pessoas

Ás vezes me pergunto como até então não tínhamos esta visão histórica do mundo através dos recursos naturais se agora, ela nos aparece de forma tão cristalina. O mau uso destes recursos e o desconforto pela sua falta é que nos mostra seu valor.
Lembro-me de um dia, aqui, na Fazenda da Barra onde fui criada, na confluência do Rio Grande e das Mortes, eu e meu pai andávamos a cavalo e vi uma seqüência de arvorezinhas idênticas e enfileiradas. E quando perguntei ao meu pai porque plantou-as ali, no meio do pasto, ele me respondeu que não foi ele, as sementes foram ali depositadas nas fezes das vacas que andavam umas atrás das outras e que a planta se chamava lobeira. Mas, se eram as vacas que as semeavam deveriam chamar-se Vaqueiras, eu disse. Mas, antes, eram nas fezes dos lobos que elas se semeavam, explicou meu pai.

Não há mais lobos. Eles se foram com a floresta. E toda a história desta região ignorou a extinção do lobo e passou a ser contada pela atividade educacional, leiteira, agrícola e sobretudo, minerária que, inclusive deu o nome a nossa cidade, neste espaço antes ocupado pela floresta e seus habitantes.

Dentro deste novo paradigma, desta nova forma de contar a história da humanidade, tendo os recursos naturais como responsáveis pelas mudanças sócio-econômicas, pela busca obsessiva de poder, mas, também, vendo a evolução da pesquisa e do valor agregado, sabemos que a ÁGUA será o próximo recurso, o próximo copo, a próxima bebida, novo fator determinante da geopolítica mundial.

O homem é natureza, é história. Mas a História se fez, até o momento, no confronto com a natureza. Resta saber como será possível ao homem continuar a construir sua história de forma mais racional, a fim de que não venha a perder o planeta. A civilização queiramos ou não, até agora, choque-nos ou não, tem sido assim.
Temos que contar com a ciência para que nos encontre o caminho do equilíbrio. Temos que aprender a saga humana e calcular o quanto de natureza se sacrificou, sem chegar mesmo a conhecer sua importância e como poderiam ter melhorado nossa vida,nossos alimentos, nossa saúde e nossas relações.

A água está aí para nos ensinar a contar a história como ela realmente vai ser. Não é sem razão que seu preço já está nos custando muito caro. Seja para saciar a sede, seja para produzir energia, ela vai, com certeza, mudar os rumos da humanidade. Inundando a floresta, alterando a paisagem, deslocando pessoas com toda sua ancestralidade ou tornando-se imprestável pelo lixo que recebe, privando-nos da biodiversidade desconhecida que afunda com ela e que poderia continuar existindo e produzindo alimentos e energia.
O Brasil com sua ampla disponibilidade de terras, ventos, radiação solar, marés e biomassa deveria estar fazendo a coisa certa e buscando a transição do modelo econômico tradicional representado por uma economia poluidora e que degrada o meio ambiente para outra que não contribua para o aquecimento global, tentando não só salvar a natureza, como criar empregos verdes numa economia de baixo carbono e atividades limpas.
Os brasileiros poderiam andar de carro elétrico-solar, movido a células de hidrogênio ou a ar comprimido, tecnologias que já estão resolvidas, basta ultrapassar o lobby do petróleo para serem implantadas.Este mesmo petróleo que , neste exato momento, continua seu avanço incontrolável deteriorando o oceano e a vida marinha no méxico e EEUU. Com metade do que se vai gastar para construir a faraônica Belo Monte poderia se construir dezenas de usinas solares e parques eólicos. Sem inundar mais de 500 km2 de biodiversidade ainda nem conhecida da ciência, sem desviar rios e criar mais problemas ambientais. Estudos demonstram que cada metro quadrado de painel fotovoltaico evita a inundação de cerca de 60 metros quadrados para a geração elétrica. Se o lago de Belo Monte fosse coberto com painéis fotovoltaicos, seriam geradas cerca de 44 gigawatts, o que representa cerca de 20% da energia consumida no país. A proposta não é cobrir áreas tão extensas com painéis, mas a cobertura de um estádio de futebol ou telhados de casas em condomínio podem virar uma usina.
Nos anos 70, cada watt produzido por células fotovoltaicas custava 150 dólares. Hoje, o preço varia entre 3 e 4 dólares. E quando o valor baixar para 1 a 2 dólares, estima-se que a energia solar conseguirá competir com qualquer outro tipo de energia. Ao adotarmos medidas mais sustentáveis, todos ganham. O índio ficará nas suas terras, rios e florestas serão preservados, a ciência estudará a biodiversidade e a agricultura aumentará sua produção de alimentos.
Leonardo Boff nos ensina que só cuida quem ama. E para amar é preciso sentir o calor, o frio, o vento, o olhar, a voz, o perfume e sobretudo o tato, pois o contato é que traz o amor que cuida. Vocês, no estudo da natureza, da paisagem e da floricultura, são abençoados por trabalharem com esta forma de amor.
Rubem Alves, um dos escritores que mais admiro, morou aqui no Gammon por muitos anos. Em um dos seus textos sensíveis e inteligentes, ele diz que gosta de levar seus olhos para passear. É um passeio mágico. Eu, como Rubem Alves, também gosto de levar meus olhos, mas também meu coração para passear. E passear aqui, pois meus olhos querem rever a Fazenda da Barra, e meu coração ainda se chama Santana das Lavras do Funil.